quarta-feira, 5 de maio de 2010

Participação Popular via Internet: "Uma faca de dois gumes"

A partir da leitura da proposta do Sistema Informatizado de Gestão Comunitária adotado pela Prefeitura de Vila Velha (PMVV), surgiu essa reflexão. Em seu site, a PMVV define: "É um sistema on-line de integração para os líderes comunitários e gestores públicos, promovendo um contato maior e mais eficiente para beneficiar a todos".

O sistema vai dispor aos líderes comunitários um portal na internet com informações e notícias dos bairros, calendário de eventos, listagem dos moradores e equipamentos públicos, demandas das comunidades e fórum de discussão. O prefeito afirmou que "esse instrumento (...) será um canal direto dos líderes comunitários com a administração, modernizando a relação da população com o poder público municipal". Com isso, o objetivo da prefeitura é aproximar o poder público da população.

Não resta dúvida de que a Internet é uma importante ferramenta para a melhoria da participação popular. Podemos, hoje, acessar as contas de uma prefeitura em tempo real ou não, promover a discussão e opinar sobre a qualidade dos serviços públicos. A população ganha facilidade no controle social e o poder público aumenta sua legitimidade ao dar transparência a seus atos. Mas como tudo na vida, essa também é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que dinamiza o acesso à informação, pode contribuir para a desmobilização popular, por trazer embutido um processo de afastamento físico entre o poder público e a população. Podemos supor que comunicar-se com a comunidade via internet é uma forma de manter-se longe das reuniões do orçamento participativo (OP) e do contato direto com os movimentos sociais organizados?

Levando em consideração que os movimentos comunitários de Vila Velha sofrem com a falta de estrutura, quantos deles têm acesso a internet? Quantas lideranças sabem utilizá-la? Como fica o papel do líder comunitário neste processo, como voz da comunidade e canal com a prefeitura? A prática vai facilitar o personalismo, já que ao cidadão comum sobrará somente a intermediação do líder?

Acredito na internet como instrumento de participação democrática. No caso particular desse sistema, creio que poderia ser usado com um caráter plebiscitário, como na escolha de obras do OP; momento para a população opinar sem restrições para acessar o programa.

Mais desafios: como combinar a participação real com a virtual? Como fiscalizar via Internet, e motivar a participação dos conselhos setoriais e dos fóruns de discussão, para evitar acomodação no aconchego do lar?

As respostas não são fáceis. No entanto, não podemos deixar cair no esquecimento os mecanismos criados pela sociedade brasileira a preços altos em prol da criação dos conselhos, das assembleias do OP etc. Não podemos sucumbir às visões puramente tecnicistas e sim utilizar a internet para expandir a participação popular na democracia.

Política não se faz somente em frente ao computador, mas não podemos negar esta poderosa ferramenta de participação!

João Batista Babá – vereador de Vila Velha

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Michael Moore escreve sobre Lula para a Time

Michael Moore, documentarista americano, escreve sobre Lula a pedido da Time. O presidente brasileiro foi eleito a personalidade política mais influente do mundo

Quando os brasileiros elegeram pela 1° vez Luiz Inácio Lula da Silva, presidente em 2002, os barões ladrões do país nervosamente checaram as bitolas de combustível de seus jatos privados. Eles transformaram o Brasil em um dos lugares mais injustos da terra, e agora parece tempo de recuperação de investimento. Lula, 64 anos, foi um filho genuíno da classe trabalhadora da América Latina, na verdade, um dos membros fundadores do Partido dos Trabalhadores – que foi preso por liderar uma greve.

Naquela época Lula ganhou a presidência, depois de 3 tentativas sem sucesso, ele era uma figura familiar na vida nacional brasileira. Mas o que o levou para a política pela primeira vez? Foi o seu conhecimento pessoal de como quão pesado era o trabalho para os brasileiros, só para início de conversa? Ser forçado a deixar a escola depois da quinta série para sustentar a família? Trabalhar como engraxate? Perder parte do dedo num acidente de fábrica?

Não, foi quando, aos 25 anos, ele assistiu sua esposa Maria morrer aos 8 meses de gravidez e junto com ela o filho deles, pois eles não podiam pagar assistência de saúde decente.

Há aqui uma lição para os bilionários do mundo: deixem que as pessoas tenham uma boa assistência de saúde e elas causarão bem menos problemas para vocês.

E fica aqui uma lição para o resto de nós: a grande ironia da presidência do Lula - ele foi eleito para um segundo mandato em 2006 e trabalhará até o final deste ano – é que mesmo enquanto ele tenta impulsionar o Brasil para o primeiro mundo com programas sociais governamentais como o Fome Zero, desenvolvido para acabar com a fome, e com planos para melhorar a educação disponível aos membros da classe trabalhadora brasileira, os E.U.A. parecem, cada dia mais, com o obsoleto terceiro mundo.

O que Lula deseja para o Brasil é o que costumávamos chamar de sonho americano. Nós, dos E.U.A., em contraste, onde os mais ricos 1% [da população], que agora possui mais riqueza financeira do que os 95% dos mais pobres combinados, estamos vivendo em uma sociedade que está, rapidamente, tornando-se muito parecida com a do Brasil.

Tradução livre de Rita Uliana da noticia publicada no site da revista Time no dia 29/04/10


O Brasil decola

Quando, lá em 2003, economistas da Goldman Sachs[corretora de títulos imobiliários] comparou o Brasil com a Rússia, Índia e China como economias que poderiam vir a dominar o mundo, houve muita crítica sobre a entrada do B na sigla BRIC. Brasil? Um país com uma taxa de crescimento tão apertada como um maiô, vítima de qualquer crise financeira que aparecer, um lugar de instabilidade política crônica, cuja infinita capacidade de esbanjar seu óbvio potencial era tão lendário quanto seu talento para futebol e carnavais, não pareceria pertencer aquele grupo de titãs emergentes.

Agora aquele ceticismo parece deslocado. A China pode estar liderando a economia mundial fora da recessão, mas o Brasil também está nessa lista. Isso não evitou a recessão, mas o fez estar entre os últimos a entrarem nela e entre os primeiro a sair. Sua economia está crescendo novamente a uma taxa anual de 5%. Isso deve crescer numa velocidade ainda maior nos próximos anos devido a uma grande e profunda reserva marinha de petróleo em andamento e pelos países asiáticos que continuam famintos pela comida e minerais da vasta e generosa terra brasileira. As projeções são diversas, mas às vezes na década pós 2014 – mais rápido que a Goldman Sachs havia previsto – o Brasil provavelmente está para se tornar a quinta maior economia mundial, ultrapassando Grã Bretanha e França. Para 2025 São Paulo será a quinta cidade mais rica do mundo, de acordo com a consultoria de PwC [PricewaterhouseCoopers].

E, em algumas áreas, o Brasil ultrapassa os outros países do BRIC. Diferente da China, é uma democracia. Diferente da Índia, não tem rebeldes, conflitos étnicos e religiosos nem vizinhos hostis. Diferente da Rússia, exporta mais combustível e armas, além de tratar os investidores estrangeiros com respeito. Durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, um líder de formação sindical nascido na pobreza, o governo tem se movimentado para reduzir as profundas desigualdades que a tanto tempo desfigura o país. Na verdade, quando fala-se de política social inteligente e de impulsionar o consumo interno, o desenvolvimento mundial tem muito mais para aprender com o Brasil do que com a China. Em suma, o Brasil subitamente parece ter entrado no palco mundial. Sua chegada foi simbolicamente marcada, no mês passado, pela concessão de sediar as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, além de, dois anos antes, o Brasil também receber a Copa do Mundo de Futebol.

Afinal, a percepção econômica
Na verdade, a ascensão do Brasil tem sido regular, não repentina. Os primeiros passos foram dados nos anos 90 quando, tendo se exaurido todas as outras opções, estabeleceu-se a sensível configuração das políticas econômicas. A inflação foi domada, e os governos locais e federal, até então perdulários, foram obrigados por lei a conter suas dívidas. O Banco Central teve sua autonomia garantida, ficou responsável por manter a inflação baixa e assegurou que os bancos evitassem a aventura que prejudicou a Grã Bretanha e Estados Unidos. A economia foi aberta ao comércio e investimento estrangeiros e muitas indústrias estatais foram privatizadas.


Tudo isso ajudou a geração de um grupo de novas e ambiciosas multinacionais brasileiras. Algumas são, a princípio, companhias estatais que estão florescendo como um resultado de estarem autorizadas a operar a uma certa distância do governo. Isso vale também para a companhia nacional de petróleo, Petrobras, para a Vale, uma gigante mineradora e Embraer, indústria brasileira de aviação. Outras são empresas privadas como a Gerdau – uma siderúrgica, ou JBS, que breve será o maior produtora de alimentação. Na seqüência está um novo grupo de ágeis empresários, endurecidos nas batalhas de um passado negativo não tão recente. Os investimentos estrangeiros estão chegando em larga escala, atraídos por um mercado que foi impulsionado pela queda da pobreza e aumento da classe média baixa. O país estabeleceu algumas fortes instituições políticas. Uma livre e vigorosa imprensa revela a corrupção – ainda que haja bastante e em sua maioria continue impune.

Exatamente como poderia ser um erro, subestimar o novo Brasil, seria um erro encobrir suas deficiências. Alguns desses são depressivamente familiar. Gasto governamental está crescendo mais rápido do que a economia como um todo, mas tanto setores públicos como privados ainda investem muito pouco, colocando um ponto de interrogação sobre essas esperançosas previsões de crescimento. Dinheiro público demais está indo para coisas erradas. A folha de pagamento do governo federal cresceu 13% desde setembro de 2008. O gasto com a seguridade social e pensões aumentou 7% no mesmo período, embora a população seja relativamente jovem. Apesar de recentes melhorias, a educação e infraestrutura ainda estão atrás da China ou Coréia do Sul (conforme a crítica de uma grande potência, nesta semana, recordou os brasileiros). Em algumas partes do Brasil, o crime violento ainda é elevado.

Campeões nacionais e desvantagens nacionais
Existem novos problemas no horizonte, logo após essas plataformas de petróleo marinhas. O real se valorizou quase 50% em relação ao dólar desde dezembro [2008]. Isso aumenta o padrão de vida do brasileiro fazendo a importação baratear. Mas isso dificulta a exportação. O governo mês passado impôs uma taxa no fluxo de capitais de curto prazo. Mas isso é diferente de valorização da moeda, especialmente quando o bombeamento de óleo se inicia.

A resposta instintiva de Lula para esse dilema é a política industrial. O governo solicitará à indústria petrolífera que os materiais para seu abastecimento – de canos a navios - sejam produzidos localmente. Isso está levando a Vale a construir uma grande aciaria. É verdade que essa política pública ajudou a criar uma base industrial brasileira. Mas a privatização e a abertura ajudaram a chegar a esse patamar.
Entretanto, o governo não está fazendo nada para vencer muitos dos obstáculos de fazer negócios – notadamente as regras barrocas sobre tudo, a exemplo de investir os impostos no emprego de pessoal. Dilma Rousseff, candidata do Lula no próximo outubro na eleição presidencial, insiste que não há necessidade de reforma na arcaica legislação trabalhista.

E talvez esse seja o grande perigo que o Brasil tem pela frente: arrogância. Lula está certo quando diz que seu país merece respeito tanto quanto ele merece muito da adulação que ele gosta. Mas ele também tem sido um presidente sortudo, colhendo as recompensas do bom do comodismo e operando na sólida plataforma para crescimento erguida pelo seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. A manutenção dessa performance brasileira de melhorias num sofrimento mundial de tempos difíceis significa que o sucessor de Lula terá que combater alguns desses problemas que ele foi capaz de ignorar. Então, a chegada da eleição pode determinar a velocidade com que o Brasil avançará na era pós Lula. Todavia, o curso da nação parece estar traçado. Essa decolagem é mais admirável por causa de estar sendo alcançada por construção de consensos reformistas e democráticos. Se pelo menos a China pudesse dizer o mesmo.

Tradução livre de Rita Uliana da matéria publicada no site da revista The Economist e divulgada pelo site do Ministério de Relações Exteriores do Brasil 13/11/09